Houvesse um sinal a conduzir-nos
E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Termos das árvores
A incomparável paciência de procurar o alto
A verde bondade de permanecer
E orientar os pássaros
(Daniel Faria, in Explicação das árvores e de outros animais, 1998)
Esta é uma presença outra do Henrique entre nós, habituados que estávamos a vê-lo, a conversar com ele, a assistir às suas conferências nos ProfMats que ele seguiu na totalidade, inscrevendo-se e participando sempre.
Quisemos trazê-lo na pessoa que ele era, que ele se foi construindo, que ele é ainda no que connosco partilhou ao longo da vida.
Uma vida feita de vários percursos, caminhos que ele percorreu — por uns, foi levado, outros foram escolha sua — caminhos que construiu andando.
Os lugares da sua infância e juventude, a que ele reconhece função identitária: a Póvoa do seu mar, Moçambique, Lisboa. E o mar, sempre o mar que atravessou, que contemplou, que fotografou, e onde mergulhava com prazer indescritível, sobretudo se do seu frio mar da Póvoa se tratava.
O ser professor, primeiro no então Ciclo Preparatório, até chegar e ficar até ao fim, na Universidade. Professor de Matemática. Professor de Professores, como gostava de se identificar, uma profissão que não escolheu, mas na qual escolheu permanecer e fez sua (respondi ao toque de um sino, recordava, referindo-se a uma conferência de Agostinho da Silva que o marcou especialmente).
O 25 de Abril. Liberdade que experimentou depois das perseguições no tempo estudantil. Liberdade que celebrou sempre e com a qual se comprometeu.
APM, alegria e orgulho. Escreveu-o nos diversos apontamentos que ia deixando, como testamento multiforme. Sócio n.º 3, fundador, inspirador, incansável em todas as iniciativas e atividades das quais sempre exigia qualidade até ao pormenor.
Os temas do seu interesse aos quais dedicou tempo de investigação e estudo: Resolução de Problemas, Didática, História da Matemática e do seu ensino, Filosofia da Matemática, Conceções e saber profissional dos Professores.
E sim, também outras artes e outros interesses. A fotografia, a escrita tão própria, a poesia que buscava todos os dias, as leituras infinitas, a música, tanta música... Mas também o prosaico futebol, as corridas. E sempre, os amigos, a família, as viagens, como explorador e não como turista, para entrar na alma dos lugares, dos países, dos povos, das pessoas.
O Henrique era um buscador da verdade. Era frontal. Também o foi com a morte. Ao longo dos sete anos da sua doença, dialogou com ela, lutou com ela, aceitou-a.
Partilhamos imagens. Imagens de si e imagens da sua autoria. E textos. Seus — alguns inéditos — e sobre ele.
Nesta partilha que provocará outras partilhas, sentimos (h)enriquecer-nos. Porque, humanos que somos, somos relação, amizade, memória, saudade. Porque partilhando, multiplicamos força e compromisso. Porque é urgente. É [a] hora!
Habitação
procuraremos para além da ausência
na luz que há de haver depois da cinza
o minucioso esforço da alegria
(Luís Soares Barbosa, in Onde sopra o vento, 2004)
Lurdes Figueiral
Julho de 2023
Exposição organizada por Fátima Guimarães e Lurdes Figueiral, com o apoio gráfico de António Fernandes.
Nota: Os dois poemas citados fazem parte de uma pequena seleção pessoal que o Henrique fez para si em finais de maio de 2021